Vitória-ES, algum dia de algum mês de
dois mil e poucos.
Prezado Cláudio:
Como dissemos, vamos nos manter
informados sobre o que anda acontecendo conosco. Vou aproveitar a oportunidade da iniciativa para desabafar
um pouco com o amigo. Desde já, peço
desculpa pelo eventual uso de um tom poético.
Nesses tantos anos de carreira busquei
ser um profissional exemplar, dedicado e comprometido. Sempre usei uma linha paternalista de gestão
e dei o máximo de mim para transmitir os conhecimentos que consegui acumular
com o tempo. Tive bons professores e
sempre achei injusto não compartilhar isso com os novos. A experiência é um diamante valioso, quando compartilhada. Ou um papel esquecido na gaveta, quando guardada pra si.
Busquei, incansavelmente, a fórmula
mágica que transforma executores em executivos, consultores em gestores e
empregados em patrões. Engraçado como não tiveram que ninguém
teve coragem de me dizer que essa fórmula não existia (ou se existia não era
válida para mim). Era, na verdade, uma fábula derivada da alquimia, onde bruxos
e nobres procuraram transformar chumbo em ouro.
Ao me alinhar com certos padrões
profissionais, tentei mudar meu comportamento, minha forma de
apresentação pública. Tentei ser menos
expressivo e disfarcei minha extroversão, para não mais parecer imaturo, como muitas vezes fui taxado. Por certo tempo deu
certo, pois ao que parece deixei de fazer sombra em algumas pessoas. Mas me machuquei muito e com isso mergulhei
em profunda mágoa e depressão e conheci o lado triste da vida, quando não
podemos expressar o que realmente somos.
Ao longo do tempo, descobri que não
valia a pena me transformar. Que eu
jamais conseguiria ser me moldar ao formato que gostariam que eu assumisse e
voltei, despretensiosamente, a ser quem eu realmente era. Busquei nunca magoar ninguém, qualquer que
tenha sido a postura que eu tenha adotado.
Pelo contrário, fortaleci meu lado amigo, meu lado paterno e meu lado
mestre. Dei a mão a quem procurou e quem
precisou de mim eu ajudei à minha maneira. Talvez por isso eu goste tanto da música MY WAY, qualquer que seja a voz que a interprete e o ritmo.
Engraçado como as coincidências da
vida nos ensinam: A passagem da Bíblia de “ontem” fala da necessidade do homem
deixar um rastro de sua passagem pela vida, uma obra. Não uma obra de conquistas, mas uma obra de
carinho, de caridade, de apoio, de confidências, de sorrisos. E foi isso que eu escolhi ser em detrimento
do que as "Firmas" me pediram. E acho que
escolhi certo. Estou tentando formar
minha trilha.
Também não me arrependo dos 18,5 anos
passados naquela empresa em que convivemos. Cada um deles tem seu
valor e sua contribuição para a minha formação profissional e pessoal. Hoje me acho menos incompleto para o
mercado do que eu estava "dois anos" atrás.
Verdade que os constantes estudos ajudaram muito e hoje reúno conhecimentos gerenciais que a Firma não se preocupa muito em fomentar.
Do ponto de vista de empregabilidade,
encontro-me com algumas propostas efetivas de trabalho. As pessoas,
amigos na maioria das vezes, me procuraram e disseram vislumbrar um trabalho
que se encaixava no meu perfil e que, provavelmente, eu me sairia bem. Engraçado
observar que, dentre todas as propostas, a menor remuneração, o mais suave
desafio, e a mais branda promessa, vêm da própria casa.
Daí também se pode explicar muito da
aflição e insegurança de minha esposa.
Não queremos pensar muito, mas também não podemos nos precipitar, porque
as chances de escolher errado são enormes.
Eu não consigo esconder minha alegria de ter sido lembrado em tantas
oportunidades, como também anda aparente a minha ansiedade.
No mais, tudo me leva a crer que minha
opção de vida foi a melhor: Ser como sou e não como querem que eu seja. Resta
apenas lhe agradecer pela demonstração de amizade que você sempre me deu.