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segunda-feira, 31 de março de 2014

ONDE NASCEU O MEU CORAÇÃO


  
Eu nasci no topo da serra, nas terras altas das Gerais, no Alto Paranaíba de Minas. Donde se avizinha a Serra da Canastra e se descortina a Serra da Mata da Corda. Um cantinho abençoado pelos homens, um tantinho mais perto do céu.

De um pequeno platô e uma estreita coluna de serra emergem duas vertentes de águas em sentidos opostos: uma à esquerda afluindo para o Rio Paraná, rumo ao Sul e outra à direita afluindo para o São Francisco, rumo ao Norte. As duas bacias fincaram raízes, divididas irmãmente no ventre da terra pra que haja água pra lá e acolá.

Por aqui CONFUSÃO é apenas codinome de Rio, como outros cujos nomes foram colhidos da essência do Tupi ou do Sânscrito: ABAETÉ (homem de respeito), INDAIÁ (pura beleza) e PARANAÍBA (enseada do grande rio). Águas que banham terras onde grãos, frutas e raízes fazem a bonança, germinando abundância e prosperidade.

Tal qual toda Minas Gerais, não temos oceano. Mas em cada curva de morro, grota ou brejo tem fonte, nascente ou manancial. E esse mundo d’água descendo as serras (tal como idoso descendo escada) acaba formando um mar: Um mar de verdejantes serras e planícies, onde o matuto suja as mãos pra arrancar da terra o alimento que limpa a fome. Vistas do céu, nossas colinas parecem lindos corpos femininos banhando de sol suas encostas.

Aqui passarinho canta solto, fruta se “compra” no pé e ovo se busca no terreiro. Chuva não faz barulho e sim cortejo às sinfonias de batráquios coaxando e andorinhas chilreando. Tem cheiro de pão de queijo nas vielas e de café torrado ao alvorecer. Tem agências dos grandes bancos, mas o ouro está depositado nas esquinas e nos alpendres das casas, onde os nativos nos recebem com seu ar hospitaleiro e um cumprimento especial, na pontinha da língua do coração.

O nosso belvedere faz a visão se perder de vista, cravando no imaginário apenas um ponto referencial de um Belo Horizonte lá longe, bem distante. No caminho dessa visão de infinito, dezenas de grupamentos de luzes são vistas após o cair da noite, representando as cidades que vão ficando pelo caminho da nossa subida.

O pôr do sol é mais intenso e o céu é mais estrelado. Talvez porque nos elevemos a 1.100 metros de altitude e as metrópoles distem de nossos terreiros, fazendo com que as luzes parcas da pequenez dos povoados não maculem a intensidade da luz celeste.

Daqui de cima, do Alto Paranaíba de Minas, nas terras abençoadas por São Gotardo, oramos em voz baixa pra não estorvar os anjos. E não nos sentimos mais próximos de Deus pela ALTITUDE, mas pelas ATITUDES.

Talvez por isso: Meu corpo contenha o cheiro das capoeiras e da terra orvalhada. Minha lágrima carregue um gosto de chuva e de olho d’água. Meu riso alterne entre a suavidade de riacho e vigor de cachoeira. Meus cabelos, já carregados de folhas secas, queiram imitar os trigais maduros. E o meu coração, pacífico, carregue a leveza e a simplicidade de um caipira.

(Texto de: Mozart Boaventura Sobrinho)

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