Traduzir esta página

domingo, 12 de agosto de 2012

DE PAI PRA FILHO, DE FILHO PRA PAI

DE PAI PARA FILHO:



Lembro-me como se fosse hoje. Era a transição do inverno para a primavera, em setembro de 1985. Eu me encontrava na casa de meus pais, no interior de Minas, durante as férias. Às vésperas do derradeiro dia, meu Pai me chamou num canto. Retirou na velha estante um livro (“Eram os Deuses Astronautas”, se bem me lembro) e de dentro dele alguns recortes de jornais e revistas. Uns amarelados pelo tempo e outros mais recentes. Poucas palavras foram ditas; “mensagem a Garcia”. 



Em 1953, um jovem ornitólogo (Johan Dalgas Frisch) havia realizado seus sonhos e publicara a mais completa obra sobre a ornitologia brasileira. Um guia completo sobre as principais famílias de pássaros naturais do Brasil. O pai dele passara os 30 anos anteriores desenhando meticulosamente as imagens publicadas naquele livro. Para meu Pai, a aquisição daquela obra era vital. Havia tentado comprá-la a qualquer custo. Havia atirado em diversas direções: correspondências para livrarias, gráficas, editoras e para o autor. Os velhos e novos recortes de jornais comprovavam suas tentativas e rasteavam o histórico da obra. 

Por aquele tempo, Ele havia descoberto uma nova edição. Para colecionadores e estudiosos. Encarregou-me, naquele momento, de comprá-la. Morando em uma cidade maior e com incursões constantes ao Rio de Janeiro e a São Paulo, haveria de ser mais fácil. Quase uma barbada. Como bom filho, compartilhei do seu sonho e tomei para mim a obrigação de realizá-lo. Algo tão importante para meu Pai (e meu melhor amigo) haveria de ser bom para mim também.

Durante 15,5 anos (10/1985 a 06/2000), visitei todas as livrarias, sebos, editoras, mostras de livros, exposições, ambulantes, bibliotecas etc, onde eu pudesse ao menos ter um rastro do tal livro. Fiquei obcecado pela necessidade de concretizar o sonho de meu Pai. Durante todo esse tempo, duas pistas: - (i) a Biblioteca Nacional possui uma única peça, guardada entre os livros raros, à qual não tive acesso e (ii) uma coletânea das gravações dos cânticos daqueles pássaros havia sido reproduzida em CD, também como resultado das pesquisas de campo do jovem Dalgas Frisch. Comprei-a e presenteei meu pai.

Eis que, em Julho de 2000, voltando de um cliente pela Rua do Carmo, no centro do Rio de Janeiro, entrei num sebo dali. Procurava uma outra obra, infantil, para meus filhos. Como de costume, perguntei pelo sonho de meu Pai. E lá estava ele, o livro. Perfeito, sem amassas, sem dobras, sem anotações. Eu o comprei quase sem perguntar o preço. Um sentimento de “missão cumprida” preencheu minha alma e eu pude sentir o orgulho extremo da perseverança. 

Meu pai faleceu em outubro de 1998, e nunca teve o livro em suas mãos. Mas isso não me tirou a vontade de adquiri-lo. Ao contrário, tornou-se um propósito. Ainda que ele não pudesse mais contemplar suas páginas não importava, porque muitos anos atrás eu lhe comprara o sonho e a missão de realizá-lo. E isso só lhe bastou.

DE FILHO PARA PAI:



Por essa história e tantas outras, eu lhe rendi essa homenagem:


MEMÓRIAS DE UM VELHO PAI

Lembro-te de chapéu aprumado 
Imitando gato e passarinho 
E “corto aquele dobrado”. 
Veleidade do seu carinho. 

Carinho que não foi pedido 
Ou você que não soube dar 
Mas isso agora é passado 
Não podemos remediar 

Os livros em sua estante 
As páginas todas marcadas 
Lembranças de cada instante 
Leituras sempre inspiradas 

Da encomenda de um livro 
Que eu buscasse nas livrarias 
Que levasse sempre comigo 
A certeza que o querias. 

Em vida não foste além. 
Foi Deus que determinou 
Sua vontade, porém, 
Nem mesmo a morte levou. 

Digo-lhe meu pai querido: 
Que o livro eu encontrei 
Guardei-o aqui comigo 
Tu não o viste, eu sei! 

Um dicionário catalogado 
Das aves desse Brasil 
Que certo Frisch inspirado 
Num livro reproduziu. 

O melhor entre os livros meus 
Pra folhearmos com carinho 
Meus olhos serão os teus 
E minhas mãos, seu caminho.

"FELIZ E ABENÇOADO DIA DOS PAIS, PRA VOCÊ QUE AINDA O TEM EM VIDA OU QUE GUARDA COM MUITO CARINHO E RESPEITO AS MEMÓRIAS DAQUELE QUE JÁ PARTIU"

Nenhum comentário:

Postar um comentário