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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CRÔNICAS DA VIDA REAL: VOVÓ TUTA - 111 anos de paixão!!!


Nem me lembro a época ou a idade exata. Só me lembro das subidas íngremes da minha cidade natal e de como minha casa restava na parte baixa e a casa de vovó na parte alta. Não mais de 10 minutos de caminhada, mas uma eternidade para as perninhas esmirradas de um menino magrelo de mais ou menos 10 anos.

Eu buscava o leite que o bondoso e dócil Tio Severino trazia todos os dias da fazenda. Fruto do seu suor e dedicação, fazendo questão de distribuir um pouco entre os irmãos. Não sei se era uma estratégia, mas Tio Severino trazia da "roça" até a casa de vovó Tuta e, de lá, os irmãos deveriam retirar suas prendas diárias. Uma forma dos netos também visitarem a vovó, porque sempre encontrava os primos por lá.

Eu fazia isso com muito carinho. Não era o leite que me motivava ir e sim a companhia daquela velhinha cheia de energia aos 72 anos. Sua sabedoria, suas histórias e seu fogão de lenha (que somente ela operava).

O tempo foi passando e, embora eu tivesse crescido e já trabalhasse aos 14 anos, ainda "buscava o leite". Costumava ir na hora do almoço (11 horas era tarde pra almoçar com vovó). Arroz de roça, feijão tropeiro, carnes de panela, frango ao molho pardo, legumes refogados. Novidades? Não me lembro! Mas o tempero não requeria novidades: Era inigualável!

Aos 16 eu já tinha um pequeno salário e, àquela época, já me "achava" um quase um adulto e independente. Já subia pra buscar o leite nos fins de tarde. Não pelo compromisso, que normalmente mamãe já tinha buscado durante o dia. Mas pra jogar "escopa" com vovó e pra levar vinho pra ela. Além dos domingos, pra fazer pamonha em família.

Dava-lhe ao menos 03 garrafas de vinho por ano. Mas não bebia junto, afinal Eu era menor de idade. Ela sim, degustava um cálice escondidinha, enquanto se preparava pra me dar uma surra na escopa (jogo de baralho de origem italiana).

O que hoje chamamos conscientemente de "Oficina da Memória", Vovó Tuta e Eu praticávamos quase diariamente, inconscientemente, exercitando o raciocínio matemático exigido pelo jogo e, penso, o raciocínio Ciciliano ou Romano daquele velhinha perfeitíssima e sábia (Conquistar e Dominar; e utilizar artifícios para ganhar, se necessário).

Aos 18 anos saí de casa e fui estudar fora. Mas voltava a Minas ao menos umas 03 vezes ao ano. Saudades da energia de mamãe, das histórias de papai, e da sapiência de Vovó Tuta (e de suas panelas de ferro, na fornalha de lenha). E de tantos outros que ajudaram a formar a minha essência e minhas memórias.


Netos visitando? Biscoitos no forno! Normalmente acompanhados de pães de queijo e café. Biscoitos de polvilho feitos na hora. Uma prosa aqui, uma mexida nas panelas, uma ajeitada na lenha e a "reunião" seguia por ali mesmo, com recordações que empolgavam os mais velhos e os mais novos.

Os tempos passaram e as viagens se tornaram menos amiúdes. Buscar o leite já não era tão importante e nem tão necessário. Mas os papos com a vovó sim. Sentar e jogar baralho era imprescindível e provar uma taça de vinho já era permitido.


Vó Tuta nasceu em 13/09/1901 e faleceu em 12/09/2001: Exatos 100 anos!

A família esteve reunida em Minas Gerais entre 07 e 10/09/2001 para algumas comemorações: (i) os 100 anos de vida de Vovó, (ii) 50 anos de vida religiosa de uma de suas filhas, (iii) 25 anos de casamento de meu irmão; e (iv) meus 10 anos de casamento.

Eu não retornei com os familiares para Vitória porque mamãe me chamou no canto e me disse: "Dias ruins filhos. Sinto que sua vó não está bem. Se você puder ficar mais uns dias pra me ajudar, eu gostaria, caso sua avó precise. Em 11/09/2001 ocorreu o atentado às Torres Gêmeas e, no dia seguinte, minha querida matriarca cedia ao peso dos anos.


Como tudo que envolveu minha relação com Vó Tuta, sua despedida também teve que ser marcante e, para confirmar nossa conectividade, quis o universo que eu estivesse por perto, pra última despedida. E é assim que HOJE (13/09/12) suas memórias, histórias e legado completam 111 anos.

As grandes obras da humanidade persistem através dos séculos por conta de suas fundações e seus pilares. AS BOAS FAMÍLIAS TAMBÉM!!!

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